sexta-feira, 21 de novembro de 2008

One art


The art of losing isn't hard to master;
so many things seem filled with the intent
to be lost that their loss is no disaster.
Lose something every day. Accept the fluster
of lost door keys, the hour badly spent:
places, and names, and where it was you meant
to travel. None of these will bring disaster.
I lost my mother's watch. And look! my last, or
The art of losing isn't hard to master.
Then practice losing farther, losing faster:
next-to-last, of three loved houses went.
The art of losing isn't hard to master.
I lost two cities, lovely ones. And, vaster,
some realms I owned, two rivers, a continent.
I miss them, but it wasn't a disaster.
-Even losing you (the joking voice, a gesture
I love) I shan't have lied. It's evident
the art of losing's not too hard to master
though it may look like (Write it!) like disaster.
Elizabeth Bishop
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UMA ARTE

A arte de perder não é difícil de se dominar;
tantas coisas parecem cheias da intenção
de se perderem que a sua perda não é uma calamidade.

Perder qualquer coisa todos os dias. Aceitar a agitação
de chaves perdidas, a hora mal passada.
A arte de perder não é difícil de se dominar.

Então procura perder mais, perder mais depressa:
lugares e nomes e para onde se tencionava
viajar. Nenhuma destas coisas trará uma calamidade.

Perdi o relógio da minha mãe. E olha! a última, ou
a penúltima, de três casas amadas desapareceu. ~
A arte de perder não é difícil de se dominar.

Perdi duas cidades encantadoras: E, mais vastos ainda,
reinos que possuía, dois rios, um continente.
Sinto a falta deles, mas não foi uma calamidade.

- Mesmo o perder-te (a voz trocista, um gesto
que amo) não foi diferente disso. É evidente
que a arte de perder não é muito difícil de se dominar
mesmo que nos pareça (toma nota!) uma calamidade.

in Poemas de Marianne Moore e Elisabeth Bishop, tradução de Maria de Lourdes Guimarães, Campo das Letras , 1999

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Está-se a fingir muito bem.
Finge-se quase até ao esquecimento.
Há paisagens, ruas, cinemas, amores, dinheiro,
pensamentos, palavras, estações do ano
e obras de arte.

Diz-se: a vida.

Ou: o tempo.

E um dia abre-se o livro
e vê-se de novo a fotografia.
E já não se recomeça a leitura no mesmo ponto.

O que se roubou foi o tempo,
sim, mas não naquele primeiro sentido suposto.
A antiquíssima imagem fixa
serve para se roubar ao tempo a sua qualidade de perdão.
Porque a idade não ensina a anuência aos bons
e fáceis sentimentos.
A idade é: cada vez mais atenção.
Só te resta isso, caminhador:o perigo.
O perigo que é o conhecimento,
o conhecimento ganho na atenção.
Um homem que conquistou a sua idade
não pára diante da fotografia antiga
para se comover e murmurar:
a mãe com o seu filho ou o filho com a sua mãe.
Ele pensa: quem são?
o que fazem um ao outro?
Ele ouve:vou morrer, e vou deixar-vos descansados.
E ouve a sua própria voz:então morra.
E as mãos inocentes.
De uma delas sabe que se moveu
como se agarrasse um punhal— a pequena mão inocente registada com oito anos.
Descanso?
Mas isso conhecia ela bem que seria impossível.
O que ela dizia era assim:
morro para que tu, tu, tu,
não tenhas nenhuma espécie de descanso.
Um pouco mais, um pouco mais— é para isso que as imagens são imóveis.
Tu próprio não és uma criatura móvel,
a menos que fales em atenção,em profundidade.
Desce àquilo em que te encontras imóvel.
Mas em vez disso saímos para a rua,
à procura dos velhos companheiros:
os que se vão suicidar,
os que se encontram à entrada do seu irrevogável romance de esquizofrenia,
os que de longe escreverão uma carta
pedindo para os ajudarmos a virem morrer nesta cidade branca
que, do outro lado,
quando se está com o fígado desfeito e a cabeça a tremer,
a gente imagina metaforicamente aérea,
varrida por ventos puros.
Saímos em busca dos bêbados.
Pretende-se a ilusão de espaços dinâmicos,
figuras que se propaguem através deles,
o empolgante cinetismo das visões.
E que haja tempo, o tempo, o tempo.
Que as coisas avancem,
desfazendo os nós ferozes onde a angústia se concentrou.
Uma semana de bebedeira ininterrupta—
e aparecem as amiguinhas,
vamos todos de um lado para outro,
bando apocalíptico,
animado por um furor malsão, uma alegria brutal.
Arranjamos um quarto,
despimo-nos,
e depois estamos noutro quarto,
e estamos a despir-nos,
e de novo a fazer amor,
quatro, seis, oito em cima do tapete —
o terrível milagre de uma alucinação de pernas,
braços, seios, mãos, sexos, coxas, cabeças, vestidos, camisas.
E uma madrugada, só,
vagueando pelos cais desertos,
no meio da luz suja e trémula,
ressurge o horror da inteligência.
Vê-se tudo, e seria preciso morrer.
E então volta-se para casa,
procura-se a fotografia no livro,
no fundo de uma gaveta,
e está lá isto: o tempo não existe.
Seria possível uma pequena piedade por nós próprios,
mas somos tão pouco sentimentais,
nós.
Não gostamos da piedade.
Descobre-se que a mãe não era para piedades.
A perversa cabeça infantilentra nela como um punhal,
e a mãe, sem conhecer o peso do braço do cavalheiro,
olha o espaço, de lado, neutra,
ligada àquela espécie de enigmático crime,
à obscura vingança
no outro lado da sua profecia do descanso para eles, para ele, ele— para ti.
Decifrando a metáfora,
percorrendo os caminhos para descobrir as deslocações das partes
e, assim, recompor a verdade do texto— a fotografia, a realidade, a vida— ele descobre que toda a gente tem as mãos cheias
de sangue.
Que nada foi cria
do
que o não fosse no abismo das destruições.
E entendendo enfim a linguagem das fotografias,
ele assume a sua desgraça,
e a insignificância dela,
e supõe poder avançar,
liberto,
para a sua própria morte,
algures num tempo.

Herberto Helder

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Apenas Conhecemos Fragmentos dos Outros




Quando te encontras na base de um importante maciço montanhoso, estás longe de conhecer toda a sua diversidade, não tens nenhuma ideia das alturas que se ergueram por trás do seu cimo ou por trás daquele que te parece ser o cimo, não suspeitas nem o perigo dos abismos nem os confortáveis assentos ocultos entre os rochedos. É apenas se sobes e se persegues o teu caminho que se revelam pouco a pouco a teus olhos os segredos da montanha, alguns que esperavas, outros que te surpreendem, uns essenciais, outros insignificantes, tudo isso sempre e unicamente em função da direcção que tomares; e nunca te revelarão todas. O mesmo acontece quando te encontras diante de uma alma humana.
Aquilo que se te oferece ao primeiro olhar, por mais perto que estejas, está longe de ser a verdade e certamente nunca é toda a verdade. É apenas no decurso do caminho, quando os teus olhos se tornam mais penetrantes e nenhuma bruma perturba o teu olhar, que a natureza íntima dessa alma se revela a pouco a pouco e sempre por fragmentos. Aqui é a mesma coisa: à medida que te afastas da zona explorada, toda a diversidade que encontraste no caminho se esbate como um sonho, e quando te voltas uma última vez antes de te afastares, vês apenas de novo esse maciço que te surgia falsamente como muito simples, e esse cimo que não era o único que existia. Apenas a direcção é realidade; o objectivo é sempre ficção, mesmo quando alcançado - sobretudo neste caso.

Arthur Schnitzler, in 'Observação do Homem'


Por uma vez conta como o corpo se ajusta à superfície das tuas palavras. Fala de um depois anterior, desse sono demente na fissura da luz; do violento voo ou ferida cíclica, a ausência excedendo-se na pele quando a desoras perfumas minhas mãos. Estende-se o calor aos lábios, o verão simula a duração no verso, circula a água, vigorosa, no fundo do poço até desaparecer na cama muda. Nada é o que parece, lembra-se o que se esquece e eu digo os dedos descalços dissolvem em tua boca o mel à flor dos destroços. Olha-me: deita o olhar em meu vestido, tira-o num gesto ébrio e precipitado como a um prisioneiro,os peixes sobem lestos no lago imoderado e a noite volta, lenta, adormecida. Dou-te o que não tenho – a história de um rio exultante a explodir na boca em versão romântica, poema sem trágicos sulcos ou fala completa. E tu, tu dás-me o que sou: metáfora doendo-se alto onde acaba o texto.




Ana Marques Gastão


In Nós/Nudos, Gótica, 2004







Estou a oscilar, a agitar-me, em desequilíbrio; de um lado o desejo, já com sabor a não-vida, do outro a noção do fim. Paira a ameaça sobre o corpo-depois-do-fulgor. Não há senão memória desfibrada incisiva o medo desoculto de que a serpente me engula com a sua boca desproporcionada.


Acordo tantas vezes de madrugada, o meu coração é uma planície deserta, coração dilacerado desesperado inchado cordeiro manso ou feroz de olhos furados. Não te deites docilmente, vão roubar-te tudo, o ladrão virá de noite com as suas garras venenosas e dir-te-á


«Não ames!»



Não deixes, não deixes, expulsa-o, extirpar-te-á o fígado e ficarás o que não és e és agora, não o que fomos e somos hoje, o mistério não acontecerá como o milagre não aconteceu, o depois evitará o antes e esse será o fim, a treva, os dedos sem mãos, silêncio de eterna neve.


Ana Marques Gastão

terça-feira, 11 de novembro de 2008

mês colorido no cais frio



mês de verdadeiras emoções. rasganço da mana. cansei de ser sexy no teatro sá da bandeira. x-wife em coimbra.

e o filme...






Desejo é uma das palavras em Wong Kar-Wai. A outra é desencontro. O que se ouve resume-se assim: a música é uma personagem, as palavras sucedem-se aparentemente banais mas são como poemas e o desejo é sempre mudo. Em momento algum se ouve uma personagem confessar a outra o seu desejo. As poucas confissões são-nos ditas em voz off e nunca são lineares. As personagens de Wong vão encontrando o amor mas são sempre inábeis, mesmo quando parecem fatais. Mas o que importa, o que marca, é o desejo. O desejo é uma questão de distância. E Wong enfatiza essa certeza em cada gesto de cada personagem. O modo como Wong filma torna o desejo palpável, de tão denso. Os gestos das personagens são contidos, carregam toda a consciência de um desejo reprimido. Não há uma declaração de amor. Não há um único beijo. E é por isso, muito mais do que por todas as distracções que têm sido ditas, que o tão esperado My Blueberry Nights será sempre um marco para Wong Kar-Wai. Para que percebam o que pode um beijo.








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