sexta-feira, 13 de junho de 2008

o conto que não me convenceu. que não entreguei. hoje. o último dia. chama-se Perda Lenta.

É segunda-feira. Peço-te algum silêncio. Tendências. Começa numa ordem, intercala num aceno, finda num olhar de condescendência.
Prevêem-se 6 emoções num rosto humano: alegria, cólera, aversão, medo, surpresa, tristeza. Estudiosos falam agora numa nova: o desprezo. Possível de se assemelhar à aversão, podendo o desprezo ser expresso como agradável ou desagradável, já o aversão não.
Acenas-me ao longe. Estás perto do mar e eu numa esplanada, invento-te como minha companhia: a imaginação, adorável companhia!
Procuro a harmonia em objectos: um cinzeiro comum ao lado de uma chávena branca com café. Sete pedras, que escolhi como as mais bonitas, trazidas pelo mar. Um caderno de argolas e riscas azul turquesa, laranja, v-e-r-d-e e rosa de vários tons. A mesa abana. A areia sob o olhar, aqui tão perto, separada por tábuas de madeira verde-areia e calçada nova. As ondas provocam o Inverno. Tornam-se o fim do mar, que quer nas suas bermas crianças e castelos, namorados e dias quentes, corpos ao pôr-do-sol. Vejo fúria nele. Espuma amarga de revolta em ondas que aparentam cansaço. Parece estar doente. A noite começa a chegar. E com ela vem o retiro, compras de supermercado e preparativos para o jantar. Poder escolher o jantar tem desvantagens. Como em qualquer escolha. Tendemos para o rotineiro e maquinal ou ousamos experimentar outros paladares.
As sete pedras perdem a cor que me levou a escolhê-las do areal molhado, mesmo com outras tonalidades, foram as que escolhi. O cigarro acaba. As luzes no vidro, deste café à beira mar, reflectem a iluminação das ruas abandonadas. Os dedos pedem para que continue a escrever…



do Lat. metu
s. m.,
terror;
receio;
susto.

Antevera saborear a acidez de todos os corpos de mulheres antes de morrer.
Palato genial e decifrador exímio.
Saboreara, sem se distrair um único segundo, todas as texturas e delícias carnais, sem se perder com a frieza das jóias envoltas em pescoços sedentos de morder. Fora exemplar. Nunca o odor das ruas estreitas e dos moribundos o confundira. Saboreou sempre de forma única, o que nunca nenhum soube saborear. Atrai-a as presas com o seu porte vigoroso, cortesia nos gestos, rijeza dele. Borboletear da sua língua. Seduzia-as num ápice. Num piscar de olhos.A maioria procura um homem confiante, imprevisível, atencioso.Menos ela.Nem um trocar de olhos. Antes procura, nos acontecimentos históricos, o fundamento de tanta depravação! Será o difícil o mais prazeroso, quando alcançado? E, assim, nunca entregou a sua silhueta - demasiado atraente – a nenhum saboreador de acidezes. Era ela a acidez. Pois a doçura fácil não a agradava. Por isso, passava o seu tempo ausente de superficialidades e contrariava qualquer sensação corporal além do que permitira fazer-se sentir. Era uma solitária, remexia os baús em que tinha deixado a alma, esperançada de um fim feliz e não encontrava nada, a não ser o caderno de capa vermelha, que guardara, e a colecção de flores secas dentro dele.Volta a si, opta por ir caminhar, a noite é protectora. E hoje tanto frio. Assim que começa a cair a noite transforma os objectos – manto cego que se apodera das estrelas e faz amizade com a lua, com os morcegos e sangue – para pousar em todos os corpos como um desejo indomável. Tem lábios carnudos. Tão carnudos de perfeitos, que se pudesse beijá-los nunca mais os desprenderia. Come frutos vermelhos e não se vê distinção entre ambos. Beijara uma vez. E bastou para saber a que sabiam os lábios. Esquiva como um gato independente. Indómita mulher. Sabia (e gostava) de estar consigo. Aniquilara qualquer compromisso com o desconhecido. Todo e qualquer desejo avassalador estavam sob controlo...Nas ruas estreitas, de cheiros nauseabundos, o provocador de corpos devorava cada grito arrepiante, numa roda-viva de conquistas - insatisfeito-nato - buscava o mais mortífero veneno, sorvia-o como um ávido predador, brotando da sua pele as secreções das mulheres, dos movimentos lentos, de todas as valsas eróticas. Pérfidos manjares... Na época de chuvas que limpavam as ruas inundadas de podridão.E que importavam as outras, se era a ela que sorria?Cortejara-a a um ritmo perfeito, de lento. E nem uma palavra. Nem um olhar. O que antes lhe dava prazer desaparecera na previsibilidade de qualquer corpo. Repetia, incessantemente, o que sentiu outrora. Que mais procurava? A que mundo ansiava chegar?Por vezes, sentia-se vivo.E a mulher solitária, continuava à chuva. Passos envergonhados perto do bordel, bastava-lhe isso para que pudesse sentir prazer. Um prazer estranho… Pecava entre si e consigo, não partilhava com ninguém. Tapava o cabelo com um lenço, o rosto baixo em direcção ao chão, escutava escondida e fugia de imediato. Bastava-lhe passar por ali.Gostavam, ambos, de saborear. “sem peso da solidão reflectida no outro…”Ambos procuravam a acidez dos arrepios alheios. Sem nunca se cruzarem. Sem sequer preverem que um acaso os iria apresentar.Apresentou.

E acabou,
Porque os amores felizes se vão tornando ácidos.


s. m.,
acto de desprezar;
desdém;
desconsideração;
dar-se ao -: perder o brio, a dignidade;
votar ao -: desprezar.




Arte…O véu é turquesa, cor ciano opaca, azul céu, contraste de magenta luz azul e vermelha, cor de castiçal e velas acesas.O véu organiza-te neste quadro, tens cabelos rios findos em mar vermelho e opacidade de águas turbulentas. A recusa nos teus gestos, realça-te a beleza que me faz amar-te. Uma recusa é uma evidência. Comunicas comigo -afastando-me,
Ficarei mais lúcido, se me recusas?Eu…Faço parte desta massa amorfa. Tenho a cara amarelada e cabelos cinzentos, visto-me de castanho-escuro. E a minha voz? Arrasta-se sem verdades.Voltemos ao início.O dia não começou como previsto.Trabalho por turnos.Durmo quando o sol teima em entrar - invasor inoportuno - pelas janelas que, quase sempre, deixam passar uma réstia de luz. Soletro palavras-palavrinhas, logo pela manhã, falinhas de que nada me valem.Tenho o vício do desajustamento, que se revela, com o tempo, como a única forma de me ajustar neste encaixe imperfeito – mas o único – que encontro para mim.Vivo insatisfeito. É tão forte o meu inconformismo. Irrito-me mas não faço nada para mudar.Qual o meu lugar?Unicamente assisto, passivo. Vejo as multidões, pessoas apáticas, insípidas e de coração preso à merda das suas vidinhas, egoístas inveterados e sem cura.Arte…tuVê-se tão bem quem joga com tudo o que éE quando não se vê?És. Mas não se vê.Ou não vês?EuPasso despercebido, é tão mais fácil. Basta acenar com o olhar. Um esgar invejoso. Já nem sorrio. Disfarço. É simples.Tu… arte
Olho-te,Neste quadro,recolho mais uma imagem de ti,
- A que não queria – essa recolha destabiliza-me,acrescenta outras expressõesde tipara elaEu…Quero rasgar-te por completo sem te queimar.Rasgar-te
entregar-te.Docemente.Servir-te ao desprezo,
- como que um ódio -
embrulhado em mirtilos e uma rodela de laranja.Que belo degusto.
O meu lugar não é aqui.. .Terei de me confrontar, mais quantas vezes, com esta insatisfação? Para perceber que não é realmente por aqui?ReincideRepeteReincideE obrigo-me a gostarReajusto-me ao que não sou
deixo de ser.Por vezes finjo que vale a pena.TuEma,diz-me.
Como se inventa o amor?
Ema…de cabelos ruivos, envoltos por um véu azul-turquesa, de olhar límpido e calmo...És tão transparente que te aniquilas a ti própria.
Ema...Quero amar-te


do Lat. aversione
s. f.,
antipatia;
sentimento que nos afasta de pessoa ou coisa;
animosidade;
ódio.



-Carlos-Mundos estranhos. Em tudo existe pequenas dificuldades. Aleatoriamente sucedem-se. Sem que as esperemos.O branco vive em negrumeNenúfares com salpicos de águaUm sábado tardio, porque precisava de sonhar.Sonhar…Arrumar acontecimentos não-vividos ou ainda por viver, ou talvez não.Atribuir-te responsabilidade pela minha tristeza é tão mais fácil.Falo alto para que me oiças. Atribuo um nome ao que não tem nome. Categorizo o que desconheço, o que não vale a pena, então. Espera! Estão ali pessoas a vender açafrão das índias. Jantam connosco? Acompanhas-me?Vozes de crianças. Discorrem-lhes lágrimas dos rostos.- Beatriz -Entre papéis, palavras, raciocínios relacionais e conclusões-luz, que tal, para desanuviar, uma gravação inspirada, música que toca, para o meu amigo Alexandre? Music is food for soul… Apetecia-me agora encher-te de beijos – dizes. Mais uma vez, dizes. Acabaram-se os cigarros. Transformo as garras em roxo escuro. Danço como o demónio. Porque tudo nos influencia. Tenho fobia do desconhecido um medo irracional apodera-se dos meus músculos… e barulhos acústicos apaziguam a alma, aproximam-se borboletas.Isso implica que tenha de me vestir? E não me apetece.Comovem-me poucas coisas.- Carlos & Beatriz –Lês um artigo de um psiquiatra, que admiras, e começas a falar alto (fazes sempre isso), sem saber se te quero ouvir, interrompes-me – mesmo que eu não queira – maldita habituação, que vem de mansinho e que se instala – parasita – adoece-nos aos poucos, anestesia comoções e aniquila-o-que-nos-uniu.Oiço-te vociferar com entusiasmo o que o psiquiatra escreveu: “somos um primata imaturo, o mais desprotegido da natureza. Só não desaparecemos porque colaboramos uns com os outros. No dia em que a sociedade de consumo nos converter em indivíduos robô, corremos o risco de perder esta corrida.Deixamo-nos hipnotizar pelo poder dos media e transportamos essas referências para a nossa realidade. E se há uns tempos as pessoas partilhavam a atenção em torno dos grupos e das famílias, hoje concentram-se nas tecnologias individuais – têm o seu próprio televisor, computador, telemóvel, blogue – e perdem a dimensão dos outros.Aparecem-me pessoas com crises de identidade e concepções ilusórias da vida. A evolução dos papéis sociais tem conduzido ao desencontro entre homens e mulheres.”Olhas para mim e eu continuo distante. Gostei tanto do que escolheste para mim – fazes sempre isso – mas não consigo dar-te brilho depois de tanto silêncio planeado.Apesar de tudo, continuas a ter encantos particulares neste pálido viver.Eu, na minha secretária, entretido com a Internet – primata imaturo e manipulado – pode ser que hoje consiga marcar um encontro com a mulher que não lê alto, e me peça “dança comigo esta noite?”,que me entende sem me criticar, que sabe latim e dorme até tardequem sabe, viajar e ter aventuras?pode ser que me traga – sem eu esperar – um bacalhau com natas, do meu restaurante favorito, quando tudo o que menos me apetece é ouvi-la rabujar porque ainda não fiz o jantar,quem sabe,uma mulher, que com o passar dos anos, ficará como tu.



do Lat. tristitia
s. f.,
qualidade ou estado de triste;
consternação;
dó;
aspecto que revela mágoa ou aflição;
melancolia;
angústia.


Escolhes e estarás curada.Para ti. Vendavais de silêncios. Ressoam nos ramos de sobreiros junto ao rio, repetem-se em noites altas sem lua. Uma mordaça. Uma voz. E fantasmas aqui e ali, sem que saibas. A história de uma inexistência imaginada, presa ao ardor e calor de um coração que arrefece e aquece – de novo arrefece aquece, esquece, perdoa, revive, perde, inventa. O quê? O que dizias? Não ouvi. Podes repetir? Por favor. Estava a dizer-te que a lua está tão perto do rio. E, às vezes, de nós. Há amor de pele. Amor de olhos. Amor de corpo e sangue bem quente. De cheiro intenso. Que mata. Que nada faz contente. Amor tão certo que acaba de vez. É acabar num amor igual e começar um amor diferente. Sempre. Para sempre. Para sempre. Latejar dentro de uma gruta. Explosão indómita. Agressão ensurdecedora. Tudo isto e nada disto. Custa assim e assado. Custa. E basta. Porque esta melodia fez sentido – e deu sentido – a milhares de quilómetros e caminhos, e hoje não? Foram fases. E a música era cúmplice. A única. Um ano. Agora. Ouvi-la leva-me ao início. Hoje vem e vai. Era um espectáculo que querias ver implodir. Como se o ditame da vida pudesse estar nas linhas de uma mão. Levou-te para um futuro que jamais podias prever. O que acontece hoje não tem condições exactas, nem fórmulas, quais linhas da sorte, futuro e amor? As linhas trilharam-se sem a tua mão.Nas tuas mãos. Tuas. Deixa que vá. Deixa que entre. Rumo?Esquecer a mágoa.Mas não foi. O que nunca foi. Não basta querer.Quão mais arrojado o desejo mais difícil, mas é isso que é viver: ousar.
A face entre as duas mãos, desatenta, e lentamente, finjo que entendo “não basta querer”… Prevejo que isto se adquira desde criança. Blá blá blá. Conversa de psicólogos. Ironizamos para compreender. O doce, por vezes amargo, é doce. Depois perde o sentido. Deixa de encaixar na solidão – saborosa e é desespero. O aperto. As pantufas lado a lado. Os bolos que tens ali. Os domingos e filmes no cobertor. O olhar-querer. O ombro. “Estás bem?” e o mundo parou…Acumulo-possibilidades. Criar-te tem sido (e é) o meu maior prazer. (Re) Inventar-te, em silêncio, engendrando milhares de trilhos, e o topo ser o desconhecido de ti. É para lá que caminhamos, não é? Assim me diria o velho sábio. Um registo escrupuloso de impressões, de ti, varridas agora com o vento. É isto. O Expandir do eu, a sensação de ti - nunca será esquecida - assim repito-a, em doses industriais, bloqueando a dor e o prazer – anedonia. E é isto uma vontade indecifrável em te ter por perto. Raiva e desejo em doses instáveis… Acumulam-se possibilidades, perfazem demasiadas dúvidas, excessivas inquietudes.No quarto deste motel quis saber a que cheiram as flores artificiais e sentir o fumo dos teus cigarros impregnado em qualquer pormenor. A banda sonora do filme “Modigliani” inspira a criação de movimento e expande a possibilidade de competição entre o-amor-e-ódio. Imobiliza-me estar aqui.Chove lá fora. Um único carro vermelho estacionado. A colcha laranja-gasto cobre os lençóis frios. Um jarro branco com flores artificiais, iguais às de todas as campas e jazigos. Da parede caem bocados de tinta (o único sinal de vida). Caem suavemente, a excepção de delicadeza.Quis passar aqui esta noite. Vivê-la sozinho. A chuva continua a cair. Feroz, parece que me quer maltratar e magoar.Também aqui se acumula a paixão. Mesmo aqui.O sino da igreja povoa as ruas com uma sonoridade secular, imbuída na brutalidade da chuva, fazem a sintonia perfeita, que cai nos telhados com ninhos sem vida…Parece-me importante estar aqui. Não sinto nada. Não estou e não preciso sentir, medo.… tantos milhares de andorinhas que poisam neste telhado, ninhos secos, abandonados. A única cor é a luz da aurora, feita de cetim branco.Estou aqui.Passados 5 anos.Aqui.…com a tua Lacrimosa de Mozart.Cerramos o olhar.Aqui estouContigo (julgo),neste quarto,Aqui,Onde (estiveste), semanas a fio, com os teus fantasmas,até à tua morte…aqui,acumulam-se possibilidades…nos ninhos sem vida…

Esconde o teu sorriso.
Gostava que fosses “entre-aspas”, para não ter que te dizer como nunca serás e que não se pode tocar com os lábios.



de surpreso
s. f.,
acto ou efeito de surpreender ou de ser surpreendido;
sobressalto;
prazer inesperado;
notícia ou coisa que alguém prepara para surpreender outra;
sucesso imprevisto



O inesperado roçou a realidade com a aspereza das coisas inesperadas…
O trabalho é hoje um refúgio. Hoje compreendo porque somos excessivos, abusamos de algo para suprimir a falta de outro algo, possivelmente de alguém que ainda está em nós…
Se há sentimento inspirador é este. Eleva-nos ao máximo.
O inesperado abanou o sonho. Milhões de anos.
Todos os dias a estrelas caem, cadentes, sob o plano espectacular. Uma estrela cai, todos os dias, no céu negro, sem que lhe peças, “fica aí”, segura-te, nada, não te quero pedir nada. Um desejo. Cinco. Zero. Um. Que sejam mil. Não quero.
O que esperarias?
A minha felicidade não depende de desejos, depende de mim.E assim prometi...
Sentei-te, de novo, na lua que construímos, sob o imenso céu, que nos viu caminhar e que uniu, em forma de constelação, todos os nossos sorrisos, palavras e abraços. Como na noite junto ao mar, sob o céu mais lindo.
-Já não gosto de ti – dizias. Se é que algum dia gostei...-Deixa-te de patetices!- É verdade...- Eu não acredito.- Tu não queres acreditar, é diferente, dá-te jeito.- Não me provoques.- O teu "tudo" é o meu "nada".- Como assim?
- Pensa.

- Porque me tratas mal quando precisas de mim?- Para que não notes que preciso...- Sim?! Mas o que te falta?- Amor.


s. f.,
contentamento;
regozijo;
satisfação;
prazer;
festa;
divertimento;
júbilo;
jovialidade;
acontecimento feliz.



Por detrás dos óculos de sol ninguém vê a morte dos meus olhos – encerrados por muros imaginados e fadiga diária – impedem-me de observar o mundo tal como ele é.Como será que é?Será melhor assim? Não ver luz e cor? Apenas sentir?Ora vejamos,Posso estar distraído e ninguém sabe, impossibilito qualquer um de apreciar o meu estado de humor (alma encerrada dentro – apenas – em mim)Ser cego não me impede de ser o que realmente desejo – ser livre.Tenho uma vida como a “dos comuns visuais”: tenho uma família, que sempre me ajudou na conquista de autonomia – que alcanço a cada dia que passa; levam-me à carrinha que me transporta mesmo até à porta do emprego. Desenvolvo projectos. Crio-os. Planifico-os. Executo-os. Sinto-me realizado a nível profissional, é uma conquista diária…Não vou escrever desilusões: entristecer-me voluntariamente, não vou.Perguntaste-me se não me recordava de ti. Eu disse-te que sempre foi mais fácil aos outros me reconhecerem, que eu a eles. Mas sim, lembro-me de ti… Foste tu quem me salvou.Um lago imenso à minha frente.(Não te disse que o meu verdadeiro desejo era mesmo desaparecer nele, sentir toda aquela água invadir-me…)A tua força elevou-me.De novo: o vento.Porque me salvavas?...Nunca cheguei a sabê-lo…Hoje trabalhas comigo. Continuamos a almoçar. Às vezes. Junto ao mar.No lago, as maçãs caem em intervalos imprecisos, no chão que piso e que tu pisas a meu lado.Uma nova página (oiço-te folheá-la),do livro comprado em desconto na livraria em que trabalhas ao fim do dia.É uma estranha paz.O som dos patos. A imagem das cores. A tua companhia.O amor está no que menos esperamos, penso.



do Lat. cholera, bilis
s. f.,
irritação violenta;
agastamento;
ira;
sanha;
furor;
impetuosidade;
doença epidémica que se manifesta por grandes evacuações, fraqueza e resfriamento;
cólera-morbo

Encontraram-te caída. Uma despensa como todas as que existem em todas as casas: claustrofóbica.Deixaste, em cima da mesa, um anel prateado – e pelo que contei nele – trinta e sete letras e nenhuma forma a palavra que conheço, que quero encontrar e que me leve ao decifrar do porquê do teu corpo junto a um balde, ainda molhado, meticulosamente arrumado…Vasculho os teus livros (tantos). Caem deles recortes de imagens e rostos com cores – tanta vida aqui espelhada – bilhetes de concertos que não foste e que pedias ao teu primo Óscar. Tinhas todos.Do chão agarro uma mortalha enrugada, que quase não parece uma mortalha.E nestes livros.(Tantos)Tento encontrar-te.Um sinal…Terás deixado dentro deles o motivo da tua morte? Uma frase? Um desenho? Um pensamento sublinhado? Uma folha rasgada sob fúria?Procuro-te, “com uma dispersão de pardal”, em cada frase, em cada palavra riscada, em cada flor e sorriso que desenhaste aliados ao sentido de todas as ideias que te faziam sorrir, por dentro, sem que ninguém soubesse, sem que ninguém desse conta.(talvez nessa alegria - que não tinhas – adivinhe o desejo da tua morte)“Ás vezes, como agora, é assim: ponho-me diante do papel e não sai nada, as palavras recusam-se, as coisas que andam na minha cabeça não se fixam nem descem para a mão, e vai daí continuo sentado, à espera, neste trabalho de paciência, a ver quem é mais teimoso, se a minha cabeça, se eu.”Nada me leva à razão de te perder. Nada.Continuo a procurar-te por entrelinhas traiçoeiras e sinuosas.… E encontro as tuas paixões: a botânica, o mar, os tubarões, as orquídeas, as casas de banho com música e café. Encontro-te, como sempre: apaixonada, simples, de humor flutuante. Tão simples que me assustavas.Eu, raramente soube sê-lo, era um esforço que fazia (porque só assim te podia ter junto a mim)Fingindo ser euLigo à única pessoa que amas. Disse-lhe que deixaste um poema de duas linhas (quase) simétricas – a longevidade da tua dor demarcada ali – tão real, tão dilaceranteDuas simples frasesSimplesmente tuasUnicamente simples frasesTão simples como tu“Por ser tuaDeixarei de ser”


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