terça-feira, 16 de setembro de 2008




Cada momento passado juntos

Era uma celebração, uma Epifania,

Nós os dois sozinhos no mundo.

Tu, tão audaz, mais leve que uma asa,

Descias numa vertigem a escada

A dois e dois, arrastando-me

Através de húmidos lilases, aos teus domínios

Do outro lado, passando o espelho.

Pela noite concedias-me o favor,

Abriam-se as portas do altar

E a nossa nudez iluminava o escuro

À medida que genufletia. E ao acordar

Eu diria “Abençoada sejas!”

Sabendo como pretenciosa era a benção:

Dormias, os lilases tombavam da mesa

Para tocar-te as pálpebras num universo de azul,

E tu recebias esse sinal sobre as pálpebras

Imóveis, e imóvel estava a tua mão quente.

Rios palpitantes por dentro do cristal,

A montanha assomando na bruma, mar enfurecido,

E tu com a bola de cristal nas mãos,

Sentada num trono enquanto dormes,

— Deus do céu! — tu pertences-me.

Acordas para transfigurar

As palavras de todos os dias,

E o teu discorrer transbordante

De poder revela na palavra “tu”o seu novo sentido: significa “rei”.

Simples objectos transfigurados,

Tudo — a bacia, o jarro —, tudo

Uma vez de sentinela entre nós

Se torna límpido, laminar e firme.

Íamos, sem saber para onde,

Perseguidos por miragens de cidades

Derrotadas construídas no milagre,

Hortelã pimenta aos nossos pés,

As aves acompanhando-nos o voo,

E no rio os peixes á procura da nascente;

O céu, a nós se abrindo.

Porque o destino seguia-nos o rastro

Como um louco com uma navalha na mão.



Arsesii Tarkovskii

Nenhum comentário:

Visitantes: