quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009


as pessoas morrem nunca partem de nós, eu separei-te
de mim, cortei-te-me. em cinemas imaginários filmados por
mãos iluminadas usei teu corpo. coloquei o deserto do teu
coração rente à minha boca. lavaram-me o desespero as
lágrimas que choravas no escuro. parti-te.
estou a fazer-te luto. desejei-te tanto.
discuti-te tanto
contigo. agora percebo que te atirei demais contra tantos
poemas.agora encontramo-nos. eu tenho de colar-te os restos
para conseguir ver-te para além do que trago molhado nos
olhos, acabou o passeio no meu jardim interior, pleno de estatuas
quebradas, as noites acabo sempre assim, abraçado ao rosto
restos da pedra, agradecendo-lhe as imagens.
Pedro Sena-Lino

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009


Aceito a ordem
das coisas, a geometria
imposta do quarto?
Os objectos no
seu lugar de sempre,
a distância exactada cadeira à mesa,
do meiple à janela?
O sono do tapete?
O universo diário
do quarto alugado,
as molduras que
cercam, resguardam
naturezas mortas,
paisagens imóveis?
Aceito a minha vida?
Ou mexo no candeeiro,
desvio-o alguns centímetros
na mesa, altero
as relações das coisas,
afinal tão frágeis
que o simples desvio
dum objecto pode
romper o equilíbrio?
Pego no telefone
e grito ao primeiro
desconhecido: ouves-me?
Ou deixo tudo
tal como está,
medido, quieto
no rigor do quarto,
e eu hesitante
entre o soalho e o tecto?
Desloco o cinzeiro
sabendo que posso
matar mandarins,
provocar cataclismos,
fracturas, amores,
eclipses, sonhos,
com a ponta dum dedo?
Ou apago a lâmpada
eléctrica e entro
no mesmo torpor
que as flores do tapete,
a fruta dos quadros,
o frio, o bolor,
no chão, nas paredes,
o poema na mesa,
a mesa no espaço
do quarto comprado
mês a mês? Confundo
o aluguer e o tempo,
deixo-me serem cada milímetro,
em cada segundo,
do quarto, da vida,
o outro objecto
chamado inquilino?Ou desencadeio
a insurreição
mudando de sítio
o meiple, a cadeira,
mudando-me a mim?
Carlos de Oliveira

o vento traz a primavera na noite.

miguel gonçalves mendes: o mário tem medo da morte?

mário cesariny: sou capaz de ter, um bocadinho. não sei o que é. (ri) mas gostava de ter daquelas mortes boas... a gente deita-se para dormir e nunca mais acorda, isso é que é bom. mas tenho medo sobretudo da degradação física, isso sim! porque eu já sofro um bocadinho, vá lá, isso é que é muito chato, isso já é a morte a trabalhar, a trabalhar.a morte propriamente não existe. se morreu, morreu... é o momento! tens medo da morte tu?


O tempo aguarda na sala
Arquivo flores de esquecimento
....andrea

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

há o perigo de um grito lindíssimo quando andas assim comigo no invisível

(mário cesariny)

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

a clown smoking a cigarette; photo by peter hujar

eu sei que a loucura é um braço solitário sorrindo eternamente.

(mário henrique leiria)


segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Porque é que as pessoas (se as pensarmos em abstracto), se desencontram da sua natureza e se tornam feias e azedas, à medida que crescem? Porque, ao contrário da natureza, são escassas as vezes que aprendem com a experiência. Porque não querem? Não; porque a complexidade dos seus sentimentos e do seu pensamento é grande. E, enquanto a natureza metaboliza as diferenças em ciclos de tempo onde caberiam muitas gerações humanas, é raro que uma pessoa encontre quem transforme, num período circunscrito da sua vida, sofrimentos enquistados, sentimentos por legendar e pensamentos que, simplesmente, se intuíram, sem nunca se terem formulado.


«L’amour est par excellence ce qui fait être»,


«o amor é antes de mais aquilo que faz ser».

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

És encantador :)




No teu poema
Existe um verso em branco e sem medida
Um corpo que respira, um céu aberto
Janela debruçada para a vida
No teu poema
Existe a dor calada lá no fundo
O passo da coragem em casa escura
E aberta uma varanda para o mundo
Existe a noite
O riso e a voz refeita à luz do dia
A festa da Senhora d'Agonia e o cansaço
Do corpo que adormece em cama fria
Existe um rio
A sina de quem nasce fraco ou forte
O risco a raiva e a luta
De quem cai ou que resiste
Que vence ou adormece antes da morte
No teu poema
Existe o grito e o eco da metralha
A dor que sei de cor mas não recito
E os sonos inquietos de quem fala
No teu poema
Existe um cantochão alentejano
A rua e o pregão de uma varina
E um barco assoprado a todo o pano
Existe um rio
O canto em vozes juntas, vezes certas
Canção de uma só letra e um só destino a embarcar
No cais da nova nau das descobertas
Existe um rio
A sina de quem nasce fraco ou forte
O risco a raiva e a luta
De quem cai ou que resiste
Que vence ou adormece antes da morte
No teu poema
Existe a esperança acesa atrás do mundo
Existe tudo mais que ainda me escapa
É um verso em branco à espera
Do futuro
José Luís Tinoco

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