segunda-feira, 26 de fevereiro de 2007

Com sabor a tarte de cerejas

- "Trás ingredientes para a tarte!" – diz.
A agitação interior surge no instante em que o trabalho termina. Faz previsões, vai ao supermercado. Antes de toda esta realidade, o desejo invadia a sua alma, o desejo de estar junto. Foram alguns dias de espera silenciosa. Dias após dia. Noite após noite, encerradas com a leitura. Aquela sensação de que "a hora está a chegar", provoca ansiedade e uma enorme vontade de aproveitar cada segundo, cada momento, cada gesto e sorriso. É como a ideia com que deveríamos encarar a morte, que esta dá sentido à vida e relativiza os problemas, onde a velha máxima se concretiza aqui, a vida é bonita quando é simples. Assim, aproveitou cada momento como se fosse a primeira vez. Sabe que nunca seria o último, porque o sentimento vivia junto de ambos há uma década. Inconscientemente festejaram o amor que os uniu desde o primeiro olhar.
- Tens que comprar base para a tarte, ou folhada ou quebrada. A que horas chegas. Queres que guarde o jantar para ti? -
Eu observei aquele abraço através dos meus olhos verdes. Sorri abertamente. Observei-os com doçura. Abraçaram-se de forma tão forte e apaixonada que continuei a sorrir, pensei "gostam mesmo um do outro", via-se no brilho dos olhos. O abraço durou pouco para a imensidão da saudade que eles sentiam. Depois foi o pisar da realidade, também ela saborosa.
Subiram para jantar. Houve troca de olhares. Pura admiração. As almas gémeas.
Deram uma caminhada ao sabor do luar. "Este é o céu estrelado mais bonito que já vi, é imenso.
Eu aguardava-os.
Os grilos cantavam no escuro, o vento embatia suavemente nas minhas folhas. Quando me tocaram, disseram: "aqui não tem nada, temos que trepar a rede". Assim, dentro de segundos agarraram-se a mim e conjuntamente colheram os meus frutos. Observei-os e vi-os sorrir, falavam da sua infância e das brincadeiras comuns. "Agora apetecia-me fingir que tinha uma mota e rebolar por ali".
-"Estas cerejas são pequenas, muito vermelhas e saborosas". Tirou os caroços e criou um montinho para depois o colocar sobre a base da tarte. Misturou 4 gemas, 2dl de natas light, 150 gr. de açucar e 1 iogurte de morango. Foi ao forno.
-"Olha ali, tá tão bonita. Eles amanhã vão deliciar-se."
O sono.
O amanhecer alucinogéneo. A rapidez de movimentos para chegar à hora marcada. Má disposição.
-" Está uma delícia, quem fez?"- perguntaram todos.
- "Ela fez o recheio, eu a base".
Naquela tarde invadiu-os uma plena sensação de paz. Ele deitado na rede, ela observadora de todos os seus gestos. Riu-se, pousou a face na mão e sonhou. Fechou os olhos e sentiu felicidade.
Quis agarrar uma folha e caneta, não encontrou, mas ficou gravado na memória.
Rapidamente o exterior deu conta de si. Queria prolongar tal beleza.
O humor convertera-se em bom humor, dando lugar a abraços meigos. De imediato, os olhos vislumbravam tudo de forma mais colorida. Invadiram de forma rápida e inesperada o coração e, consequentemente, a visão bonita de tudo em seu redor. Parecia magia. É inexprimível.
Anoiteceu.
No monte estava tudo muito calmo, sereno, agradável.
A rede balançava. Ficou mais pesada com os seus corpos, entrelaçados.
Andou na direcção do prazer.
Abriu os olhos e viu flores. As estrelas. O calor da noite. Fechou os olhos e sorriu feliz.
Sonhou com tudo e com nada.
Que amanhecer delicioso e bem disposto! Através do silêncio mil palavras foram ditas, de encontro ao amor, de novo, outra vez.
O toque carinhoso na barriga. A preocupação em saber se te encontras bem.
Depois, depois vem o contacto com paisagens virgens e nunca vistas. Flores familiares que recordam as brincadeiras de infância. O tempo passou sem darmos conta.
Essa cumplicidade inconfessável, indescritível que nos torna tão especiais.
- "Adoro-te mana. Parabéns! Tenho uma receita nova. Depois dou-te".
Já sinto a tua falta.

30 Maio 2005

Um comentário:

Anônimo disse...

Um sentimento de intimidade, amor e carinho transborda destas palavras.
Que belo sabor a tarde de cerejas que senti a vaguear pela boca...

O "emocionar" que há em ti, foi verdadeiramente transmitido!

Adorei! Beijos!

Visitantes: