quinta-feira, 1 de março de 2007

"O Príncipe sem Sonhos"

Márcio Vassallo, como surgiu a ideia de escrever "O Príncipe sem Sonhos"?

A história nasceu quando, num dos shoppings mais sofisticados, vi um pai comprar para o filho seis brinquedos bem caros. O menino tinha uns oito anos. Mas o que realmente me impressionou não foi a quantidade nem o valor dos brinquedos adquiridos. O que mais me chamou a atenção foi o seguinte: quando o menino começava a namorar um brinquedo, o pai pegava, mandava a vendedora pôr na sacola, e perguntava: "Queres mais alguma coisa, filho?" Ele perguntava de forma carinhosa, mas apressada. Naquele sábado à tarde, esse pai poderia dedicar o seu tempo até para comprar um presente, só que mais próximo do filho. Afinal, brinquedos, livros e animais de estimação têm o poder de aproximar os pais dos seus filhos, para que eles compartilhem belos momentos. Não devem ser meros instrumentos para compensar ausências.

De que modo terminou a cena do shopping?

Diante dos seis brinquedos no balcão, o pai perguntou o valor da compra e assinou o cheque, sem nem olhar para a cara do menino. Enquanto isso, o garoto olhava para as outras crianças, com um olhar meio parado, e via que elas podiam sonhar em ter todos aqueles brinquedos. Elas podiam sonhar com as suas pequenas conquistas. Aquele menino provavelmente não tinha sonhos. Ele não poderia conquistar nada, porque já tinha tudo. Então, para fazer o livro, transformei essa cena em fantasia: "Mal o príncipe começava a sonhar, e pronto: os seus desejos realizavam-se. Não chegavam nem a tornar-se um sonho de verdade, daqueles que nós cultivamos com todo o cuidado, como uma semente preciosa, num jardim secreto, só nosso." E o Tiago tinha tudo: tapetes voadores com piloto automático, dragões de estimação, empregados que o serviam sem raiva... Tinha até o amor dos pais. Mas não tinha sonhos. Bem, pelo menos era isso o que ele dizia, até reencontrar o avô, um sábio bruxo aposentado que vivia longe das badalações do castelo.

Há muitos Tiagos por aí?

Sim, há muitos Tiagos cavalgando pelos shoppings e pelas ruas das grandes cidades. Esses príncipes modernos são crianças que têm os seus sonhos massacrados pela febre do consumismo. E na maioria das vezes esse consumismo é incentivado pelos próprios pais. Na realidade, a posse desenfreada mata as fantasias da infância, estraga o encantamento da espera. As pessoas acabam por confundir ter com ser. E isso tudo provoca uma verdadeira banalização dos sentimentos.

21 Fevereiro 2006

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