quinta-feira, 12 de julho de 2007


Encontraram-te caída. Uma despensa como todas as que existem em todas as casas: claustrofóbica.
Deixaste, em cima da mesa, um anel prateado – e pelo que contei nele – trinta e sete letras e nenhuma forma a palavra que conheço, que quero encontrar e que me leve ao decifrar do porquê do teu corpo junto a um balde ainda molhado e meticulosamente arrumado por ti…
Vasculho os teus livros (tantos). Caem deles recortes de imagens e rostos com cores – tanta vida aqui espelhada – bilhetes de concertos que não foste e que pedias ao teu primo Óscar. Tinhas todos.
Do chão agarro uma mortalha enrugada, que quase não parece uma mortalha.
E nestes livros.
(Tantos)
Tento encontrar-te
Um sinal
Terás deixado dentro deles o motivo da tua morte? Uma frase? Um desenho? Um pensamento sublinhado? Uma folha rasgada sob fúria?
Procuro-te, “com uma dispersão de pardal”, em cada frase, em cada palavra riscada, em cada flor e sorriso que desenhaste aliados ao sentido de todas as ideias que te faziam sorrir, por dentro, sem que ninguém soubesse, sem que ninguém desse conta.
(talvez nessa alegria - que não tinhas – adivinhe o desejo da tua morte)

“Ás vezes, como agora, é assim: ponho-me diante do papel e não sai nada, as palavras recusam-se, as coisas que andam na minha cabeça não se fixam nem descem para a mão, e vai daí continuo sentado, à espera, neste trabalho de paciência, a ver quem é mais teimoso, se a minha cabeça, se eu.”

Nada me leva à razão de te perder. Nada.
Continuo a procurar-te por entrelinhas traiçoeiras e sinuosas.
… E encontro as tuas paixões: a botânica, o mar, os tubarões, as orquídeas, as casas de banho com música e café. Encontro-te, como sempre: apaixonada, simples, de humor flutuante. Tão simples que me assustavas.
Eu, raramente soube sê-lo, era um esforço que fazia (porque só assim te podia ter junto a mim)

Fingindo ser eu

Ligo à única pessoa que amas. Disse-lhe que deixaste um poema de duas linhas (quase) simétricas – a longevidade da tua dor demarcada ali – tão real, tão dilacerante
Duas simples frases
Simplesmente tuas
Unicamente duas simples frases
Tão simples como tu

“Por ser tua
Deixarei de ser

Um comentário:

Anônimo disse...

Congratulations! You won a ticket to André Benjamim. Have a nice trip.

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