quarta-feira, 27 de junho de 2007

Time in a Bottle

If I could save time in a bottle

The first thing that
I'd like to do
Is to save every day
Till eternity passes away
Just to spend them with you
If I could make days last forever
If words could make wishes come true
I'd save every day like a treasure and then,Again,
I would spend them with you
But there never seems to be enough time
To do the things you want to do
Once you find them
I've looked around enough to know
That you're the one
I want to go
Through time with
If I had a box just for wishes
And dreams that had never come true
The box would be empty
Except for the memory
Of how they were answered by you
(Time in a Bottle - Jim Croce)

terça-feira, 26 de junho de 2007


Sublinho com a caneta em luta contra os grãos de areia - fenómeno exclusivo - um acaso único, espero impaciente que a esfera perca a vergonha, munindo-se de armas e tinta e contra o atrito do papel beje, e avance por ali fora. Começa o típico choro, só que desta vez rodeado de muita areia. Haverá vida mais perfeita? Não acredito.
O amante da escrita deixou marcas aqui, de lado esquerda e direita: "quantos, do que sou eu, fazem amor? Porque motivo me torno outro quando o tempo muda? O que espera ele? POR QUEM ESPERA ELE?"

Parou de escrever para continuar a leitura

(tal como o fumador compulsivo que deixa de mastigar e na quinta garfada pára para inalar o veneno que o mata)

sob a desculpa de que está cheio

(de si)

por isso permanece sob a desculpa de que está cheio

(da vida que não-se-atreve-esforça-sequer-a-mudar)

e permanece sob a desculpa de que, se parar de comer, essa pausa lhe dá fôlego (mentira)

Concretizando

(hoje li esta palavra nos apontamentos da faculdade que "concretizava" as formas de alcançar uma vida plena)

por isso permanece na repetida desculpa de que está iminentemente cheio de

( dormir virado de costas a somar silêncios

de não saber dizer-não

ou cuspir para a valeta)

não amar

e tão vazio de tudo

não há espaço para mais (nada)


quarta-feira, 20 de junho de 2007

Antes


Inúmeras letras tocadas como se a tua pele se tratasse, parecem ser de veludo, permanecem inalteráveis, tal como tu.
Na pista de dança levantas a ponta do casaco que começa a deslizar pelo chão, é a tua embriaguez que te leva ao desequilíbrio – um desequilíbrio perfeito. Manifestas com as tuas mãos a tua alma. Perdidamente agitado foges por entre os bailarinos, com peles e fitas brilhantes que traçam no ar o símbolo da alegria e exuberância. Puxas a minha mão e sinto a tua, e as extremidades de nós perdem sensibilidade: o olhar fica obtuso e difunde-se nas mil cores de um espectro visual extravagante, os teus olhos deixam de ser castanho claro
(é verdade, de que cor são os teus olhos?)
Dizes-me que os meus estão amarelos e com a íris oval, tal como os de um extraterrestre, a pupila com rasgos de sangue que alastram quanto mais a noite se aproxima do dia
(o rasgo de coragem que aguardo)
As mãos perdem a noção de muito frio e o copo que nos acompanha entra na mesma dança que os nossos corpos e em sintonia nada é derramado
(nem o sangue dos meus olhos)
A mente alcança-nos e voa connosco, diverte-se como nós – um desequilíbrio perfeito: somos nós.
Na tela projectam movimentos – Tango, interligam-se pormenores e formas e fazem a dança parecer rara, misteriosa: como nós
(O que te impede de seres tu?)
A areia envolve o abanar envergonhado dos pés, já as mãos e braços estão em perfeita simbiose, como a maresia que derrete na neblina de um fim de dia,
(um perfeito…)
Loving every breath of you

Uma doce espera.

depois...



toco numa rosa como se da tua pele se tratasse
parece veludo. macia e permanece inalterável, bela
tal como tu.
….

levantas a ponta do casaco que começa a deslizar pelo chão, é a tua embriaguez que te leva ao desequilíbrio – um desequilíbrio perfeito.

manifestas com as tuas mãos a tua alma - perdidamente agitadas - e foges por entre os bailarinos, com peles e fitas brilhantes que traçam no ar o símbolo da tua alegria e exuberância ilimitadas, e puxas a minha mão e sinto a tua como se fosse o testemunho que tenho de agarrar e guardar religiosamente

as extremidades de nós perdem sensibilidades
o olhar fica obtuso
difundem-se as linhas em mil cores de um espectro visual extravagante,
os teus olhos deixam de ser castanho claro
(de que cor são os teus olhos?
prefiro procurá-los na tua alma )

dizes que são amarelos, que a íris é preta e oval - tal como um extraterrestre – e as pupilas são rasgos de sangue que alastram, assim que se aproximam do dia
(os rasgos de coragem no teu olhar)

e as mãos perdem a sensação de frio e o corpo que as acompanha entra na mesma dança e, numa sintonia desajeitada, nada derramam

(nem o sangue dos meus olhos)

A mente alcança-nos, e voa

num desequilíbrio perfeito,

o nosso

e na tela projectam-se movimentos ao som do tango, interligam-se sensualmente com pormenores e formas que fazem a dança parecer quente rara misteriosa
(O que te impede de seres tu?)

a areia encobre o agitar envergonhado dos pés, e-as-mãos-e-braços, em perfeita simbiose com a maresia que se derrete na neblina ao anoitecer

um perfeito desequilíbrio…
os companheiro de voos

terça-feira, 19 de junho de 2007

(...)
O teu mundo está tão perto do meu
E o que digo está tão longe,
Como o mar está do céu.
Não sei porquê este embaraço
Que mais parece que só te estimo.
E até nos momentos em que digo que não quero
E o que sinto por ti são coisas confusas
E até parece que estou a mentir,
As palavras custam a sair,
Não digo o que estou a sentir,
Digo o contrário do que estou a sentir.
O teu mundo está tão perto do meu
E o que digo está tão longe,
Como o mar está do céu.
Clã

sexta-feira, 8 de junho de 2007

Ajuste


Num restaurante, de uma cidade na beira baixa, estava eu (pequenina) com um grupo de amigos dos meus pais. As irmãs estariam também presentes, se me recordasse... Mas prevejo que não... Tão simplesmente porque, cada vez que os meus pais recordam "borgas", a pequena andrea faz sempre parte do cenário. Nessa hora de almoço, desapareci - relatam os meus pais. Olharam em redor e viram a "pirralha" sentada numa cadeira para adultos, com as perninhas curtas a balançar, meias brancas, e sapatos pretos com fivela. Conversava com um senhor, de cabelos brancos e rugas marcadas pelo passar do tempo. Um criança, com os seus 5 anos - relatam o pais - sentada, lado-a-lado, com um senhor de idade...
- "Olha quem está aqui! Procuramos-te em todo o sítio!" - dizem calmamente.
(Prevejo que estaria a devorar uma mousse de chocolate caseira.)
- "Desculpe, desculpe pela nossa filha!" - afirmam envergonhados.
- "Desculpar o quê?"- diz o senhor.
- " De a menina o vir incomodar!".
- "Incomodar? Como posso sentir-me incomodado com tamanha preciosidade? Esta pequena, para além de me perguntar porque estou aqui sozinho a almoçar, já me perguntou também se tinha mãe e pai e que se não tivesse: podia ir viver com ela para a vossa casa!"
- "Os meus pais e irmãs não se importam" - disse reguila.
A pequena continua distraída, de pernas a balançar, de boca cheia de mousse e a pensar:
"Já tenho um amigo para brincar e apresentar ao meu avô e irmãs!".

É esta a menina que vai hoje para a praia. É esta a menina que já não vê solidão na mulher que lê um livro deitada numa toalha, no extenso areal, de lágrimas presas ao rosto mas secas pelo sol. É esta a menina que sabe estar e gosta de estar com ela mesma: lendo um texto sobre a morte do pai de-um-dos-seus-escritores-preferidos: António Lobo Antunes.
A morte que a faz chorar, e a morte ali escrita, que imagina como se fosse a do seu próprio pai: esse ser adorado e desconhecido... com quem "fica sempre tanto por dizer"...
E porque "tudo é breve!", a menina saboreou aquele momento como único: o seu primeiro dia, numa praia imensa, ela e apenas ela, e um livro, claro... e um texto sobre morte... e ela... e apenas ela... e ela...


Este texto é também para ti...

"
Ajuste de Contas


O meu pai morreu no dia 10 de Junho, há dois meses e meio. Pouco antes o Miguel perguntou-lhe
- O que é que gostava de nos ter transmitido?
e ele respondeu, sem hesitações
- O amor das coisas belas
pensou um bocadinho e acrescentou
- Ou pelo menos das coisas que eu considero belas.
Sou eu que ocupa agora o seu lugar à mesa, na cadeira de braços, na extremidade oposta ao sítio em que costumava sentar-me. O mundo parece diferente visto da cabeceira. Ainda não me habituei por completo. Julgo que me encontro em paz com ele. Desde os dez ou onze anos a minha vida tem um sentido de que nunca se afastou, e me acompanhará, com a mesma determinação, até ao fim: escrever. Toda a minha arquitectura mental a construí com esse objectivo e o resto encaro-o como secundário. Nunca quis agradar a ninguém, nunca procurei reconhecimento nem aplauso e, portanto, nunca pedi muito ao meu pai, e a sua opinião era-me igual ao litro. Um mérito ele e a minha mãe tiveram, e estou-lhes grato por isso: não me encheram de amor e atenção, o que teria matado em mim o artista: no que diz respeito às emoções mais secretas estive sempre sozinho. Em contrapartida, a criatura de quem herdei o lugar à mesa inculcou-me o ódio impiedoso a três coisas: a desonestidade, a cobardia e a falta de rigor. Tão pouco lhe escutei, uma vez sequer, um exagero, uma mentira. Recebi dele o desprezo ou indiferença pelas coisas materiais, a frugalidade e, sobretudo, o tal amor das coisas belas: nada mau como legado. Não existiram, entre nós, efusões, confidências, pieguices: não era meu amigo, era apenas meu pai. Não era amigo dele, era seu filho. Durante dois meses e meio tenho pensado no que sinto em relação a um homem com o qual não possuo a menor semelhança física e cujo feroz egoísmo, cuja impulsiva violência me surpreendiam.
(serei assim tão diferente?)
e é-me difícil explicar. Em que medida foi importante para mim? Amava-o? Faz-me falta?
Como responder a estas três questões? É muito clara, na minha cabeça, a noção que me fiz a mim mesmo, sem ajudas, e que, com qualquer outra família, a minha existência teria sido idêntica. Quanto ao amor não sei: afigura-se-me que não é uma palavra que possa aplicar à minha relação com o meu pai e, no entanto, um estranho elo me prende à sua lembrança: não o consigo definir, o que não me inquieta demasiado. Quanto a fazer-me falta julgo que me faz falta no sentido em que cresci junto dele, junto dele e longe dele ao mesmo tempo. Era eu muito pequeno e dizia-me poemas, dava-me livros para ler, falava com entusiasmo dos seus pintores, dos seus compositores, dos seus escritores, que só parcialmente são os meus. O meu pai não foi uma pessoa criativa, não detinha o mínimo sentido de humor embora o notasse capaz de apreciar o dos outros, mas viveu apaixonado pelo seu trabalho, pelas coisas que considerava belas, espero que por mulheres também. Suponho que foi feliz, seja o que for que isso signifique. Irascível, cruel, ciumento, perdoando-se unicamente a si, era igualmente capaz de guinadas de generosidade e de autêntico afecto. Contraditório, infantil, comodista. Estava aqui a fazer esta crónica e vieram-me à ideia os seus letreiros: o tubo de cola com um papel que dizia:
ESTA COLA É DO PAI NÃO MEXER
em maiúsculas e sublinhado, a tampa de uma lata de tinta com que andava a pintar, não me lembro o quê, na Praia das Maçãs, e
ISTO NÃO É CINZEIRO
e creio que a melhor homenagem que lhe fizeram foi a do meu irmão Nuno: estava o corpo na igreja, na antecâmara, numa mesinha, de toalha preta, a salva para os cartões-de-visita, o Nuno, em maiúsculas e sublinhado, encostou à salva
ISTO NÃO É CINZEIRO
e tenho a certeza absoluta que o meu pai teria adorado. No dia da sua morte fomos os seis filhos, juntos, ao Hospital da CUF: parecíamos um comando da Al Qaeda. Não, faltava o João que tinha ido a Bragança receber um penduricalho presidencial: fomos os outros cincos mas parecíamos um comando da AL Qaeda na mesma, em versão pele branca e olho azul. Isso ele teria adorado também, espero eu. Levávamos-lhe a roupa, aquela vestimenta comprida de professor. Claro que chorei: por ele, por mim, pela incompreensível finitude da vida: não somos feitos para a morte. Depois da missa disse-lhe um soneto do seu amado Antero. E lá ficou, consoante o seu desejo, em campa rasa, num caixão de pobre. Tive vontade, ao dar com ele no caixão, de lhe pôr em cima um letreiro
ISTO NÃO É O MEU PAI
porque o meu pai não era aquele. O meu pai é um homem de trinta anos a jogar ténis na Urgeiriça e a fazer fosquinhas às inglesas. O meu pai é um homem de trinta e tal ou quarenta anos a entrar-me no quarto, onde eu fumava às escondidas, de papéis na mão, a ler-me um parágrafo qualquer da tese de doutoramento, em que penou durante séculos, para me perguntar
- O que é que achas?
Eu nem o ouvia, ocupado a esconder o cigarro, e respondia-lhe que achava bem para o ver pelas costas. Há uma semana reli a sua tese, pai, com a atenção que pedia a um adolescente desesperado para disfarçar uma beata. Posso responder-lhe hoje que acho bem. Palavra de honra que acho bem. Volte para o escritório sossegado que escreveu uma tese do caneco. E, já agora, tenho saudades do cheiro do cachimbo. Tenho saudades de irmos de automóvel para Nelas. Tenho saudades de patinarmos no Benfica. O Nuno, aos três anos, com uma peritonite
- Eu vou morrer e quero o meu paizinho.
Isto nunca esqueci. Ia morrer
(foi um milagre não ter morrido)
e queria o paizinho dele. Sempre que lembro esta frase comovo-me tanto:
- Eu vou morrer e quero o meu paizinho.
esta frase e a cara de sofrimento do meu irmão. Foi graças a si que ele não morreu. Foi graças a si que não morri da meningite. Não pense que me esqueço. Não esqueço. Paizinho"

António Lobo Antunes

segunda-feira, 4 de junho de 2007



Estou deitada numa cama enorme, feita de chocolate morno, avelãs e licor azul, junto a uma janela com persianas enferrujadas e abertas, que me apresentam a primavera.
Vou tomar banho numa banheira pousada no quintal, sob o estendal despido de roupa.
A voz da minha mãe acorda-me. Sinto ainda o prazer de um sono verdadeiro.
O cheiro a pão e lenha acompanham o meu corpo, agora sonolento, que se arrasta e acorda lentamente. Peixe do rio e míscaros fazem amizade dentro de um prato, é um saboroso risco cada garfada. Como será morrrer envenenada por cogumelos? Ainda não foi hoje.
Gostava de morrer perto de ti.

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