sexta-feira, 28 de março de 2008


Mais cedo ou mais tarde
o silêncio virá
perguntar por ti.

Albano Martins
Dies ist der morgen danachUnd meine seele liegt brach.
Lacrimosa
A tristeza lê-se sente-se (ouve-se?) em todas as línguas.
E eu não gosto.

quinta-feira, 27 de março de 2008

na noite de ontem



talvez o mel que pus dentro da chávena de chá - flor de laranjeira - torne mais doce e acalme esta ansiedade. sempre tão frequente perante mudanças, tão frequente perante os desafios (como muitos lhe chamam) e perante osbtáculos: sempre tão difíceis de ultrapassar mas que se prevêm compensadores. mas depois?...

... talvez as palavras-dentro-d'aquelivr'aliquieto...
tragam a salvação ao dia monótono de hoje.

e o vício do desajustamento tem cura?


vou dissecar estudos sobre suicídio até que os olhos me ardam.


(e trabalhar na prevenção do suicídio?)

para quê contrariar a m(inha)ãe-natureza?

Ontem fui eu.

Mas com remorsos de não ser sempre.


andrea

quarta-feira, 19 de março de 2008

férias de si próprias


O outro lado permite ver melhor. A simples mudança de cadeira, de frente para mim, observo a parede, a planta peganhenta - morta antes de morrer - e doente, os objectos desarrumados, a luz do meio-dia infiltrada no vidro aquecido, sentada de frente para mim, a roer memórias através dos dedos...


Já cheira a primavera. Queria ir de férias para longe. Não para longe de mim mas para ficar ainda mais próxima. Ao ainda não ser possível... adio a gratificação que me saberá mil vezes melhor, um dia, em breve...
... andrea



"Detesto a mania pós-moderna das viagens e gente que não pode estar quieta. A meu ver, esta moda que tantos pensam ser sinal de sofisticação só revela almas inquietas, que não se suportam a si mesmas e mudam constantemente de sítio no desespero de fazerem férias de si próprias, que é afinal aquilo que sem saber procuram".


É este o destaque do artigo do Professor Luís Fernandes no Público de hoje. Ressalvando o perigo das generalizações, há muito de justificado na sua preocupação. Certas pessoas "investem" mundo fora a todo o gás, apenas para coleccionarem o que Bourdieu apelidou de capital cultural. Não conhecem gentes e sítios, afloram-nos distraídos e guardam-nos - como afirma o Luís - nas máquinas digitais. Sou suspeito. Com a idade, cada vez mais me encanta aprofundar recantos favoritos e, por cá, o sossego de Cantelães não desperta angústia, antes empurra para viagens interiores. Reconfortantes ou dolorosas, nunca monótonas. No Liceu recordo qualquer coisa acerca de umas partículas cujo movimento não produzia resultados práticos, penso que o tinham crismado de agitação browniana. (Vocês me corrigirão.) Às vezes somos assim - aceleramos com desespero, não em fuga da BT, mas de nós próprios. Ou, em alternativa, buscando-nos por todo o lado menos cá dentro.

Júlio Machado Vaz

sexta-feira, 7 de março de 2008


Já não te amo como no primeiro dia. Já não te amo.No entanto continuam em volta dos teus olhos, sempre, estas imensidades que rodeiam o olhar e esta existência que te anima no sono.Continua também esta exaltação que me vem por não saber o que fazer disto, deste conhecimento que tenho dos teus olhos, das imensidades que os teus olhos exploram, por não saber o que escrever sobre isso, o que dizer, e o que mostrar da sua insignificância original. Disso, sei apenas o seguinte: que já não posso fazer nada a não ser suportar esta exaltação a propósito de alguém que estava ali, de alguém que não sabia que vivia e de quem eu não sabia que vivia, de alguém que não sabia viver dizia-te eu, e de mim que o sabia e que não sabia que fazer disso, desse conhecimento da vida que ele vivia, e que também não sabia que fazer de mim.Dizem que o tempo do pleno verão já se anuncia, é possível. Não sei. Que as rosas já ali estão, no fundo do parque. Que às vezes não são vistas por ninguém durante o tempo da sua vida e que ficam assim ali no seu perfume esquartejadas durante alguns dias e que depois se deixam cair. Nunca vistas por esta mulher solitária que esquece. Nunca vistas por mim, morrem.Estou num amor entre viver e morrer. É através desta ausência do teu sentimento que reencontro a tua qualidade, essa, precisamente, de me agradares. Penso que apenas me interessa que a vida não te deixe, outra coisa não, o desenvolvimento da tua vida deixa-me indiferente, não pode ensinar-me nada sobre ti, só pode tornar-me a morte mais próxima, mais admissível, sim, desejável. É assim que permaneces face a mim, na doçura, numa provocação constante, inocente, impenetrável.
E tu não sabes.
Marguerite Duras

terça-feira, 4 de março de 2008

acidez
do Lat. aciditia



Antevera saborear a acidez de todos os corpos de mulheres antes de morrer.
Palato genial e decifrador exímio.
Saboreara, sem se distrair um único segundo, todas as texturas e delícias carnais, sem se perder com a frieza das jóias envoltas em pescoços sedentos de morder. Fora exemplar. Nunca o odor das ruas estreitas e dos moribundos o confundira. Saboreou sempre de forma única, o que nunca nenhum soube saborear. Atraí-a as presas com o seu porte vigoroso, cortesia nos gestos, rijeza dele. Borboletear da sua língua. Seduzia-as num ápice. Num piscar de olhos.
A maioria procura um homem confiante, imprevisível, atencioso.

Menos ela.

Nem um trocar de olhos. Antes procura, nos acontecimentos históricos, o fundamento de tanta depravação! Será o difícil o mais prazeroso, quando alcançado? E, assim, nunca entregou a sua silhueta - demasiado atraente – a nenhum saboreador de acidezes. Era ela a acidez. Pois a doçura fácil não a agradava. Por isso, passava o seu tempo ausente de superficialidades e contrariava qualquer sensação corporal além do que permitira fazer-se sentir. Era uma solitária, remexia os baús em que tinha deixado a alma, esperançada de um fim feliz e não encontrava nada, a não ser o caderno de capa vermelha em que guardara a colecção de flores secas.
Volta a si, opta por ir caminhar, a noite é protectora. E hoje tanto frio. Assim que começa a cair, a noite transforma os objectos, manto cego que se apodera das estrelas e faz amizade com a lua, com os morcegos e sangue, para pousar em todos os corpos como um desejo indomável. Tem os lábios carnudos. Tão carnudos de perfeitos, que se pudesse beijá-los nunca mais os desprenderia. Come frutos vermelhos e não se vê distinção entre ambos. Beijara uma vez. E bastou para saber a que sabiam os lábios. Esquiva como um gato independente. Indómita mulher. Sabia (e gostava) de estar consigo. Aniquilara qualquer compromisso com o desconhecido. Todo e qualquer desejo avassalador estavam sob controlo...

Nas ruas estreitas, de cheiros nauseabundos, o provocador de corpos devorava cada grito arrepiante, numa roda-viva de conquistas - insatisfeito-nato - buscava o mais mortífero veneno, sorvia-o como um ávido predador, brotando da sua pele as secreções das mulheres, dos movimentos lentos, de todas as valsas eróticas. Pérfidos manjares... Na época de chuvas que limpavam as ruas inundadas de podridão.
E que importavam as outras, se era a ela que sorria?
Cortejara-a a um ritmo perfeito, de lento. E nem uma palavra. Nem um olhar. O que antes lhe dava prazer desaparecera na previsibilidade de qualquer corpo. Repetia, incessantemente, o que sentiu outrora. Que mais procurava? A que mundo ansiava chegar?
Por vezes, sentia-se vivo.
E a mulher solitária, continuava à chuva. Passos envergonhados perto do bordel, bastava-lhe isso para que pudesse sentir prazer. Um prazer estranho… Pecava entre si e consigo, não partilhava com ninguém. Tapava o cabelo com um lenço, o rosto baixo em direcção ao chão, escutava escondida e fugia de imediato. Bastava-lhe passar por ali.
Gostavam, ambos, de saborear. “sem peso da solidão reflectida no outro…”
Ambos procuravam a acidez dos arrepios alheios. Sem nunca se cruzarem. Sem sequer preverem que um acaso os iria apresentar.
Apresentou. E acabou,
“Porque os amores felizes se vão tornando ácidos”.
andrea

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