quinta-feira, 14 de maio de 2009

A melhor coisa de Revolutionary Road, todos concordarão, é Kate Winslet. Aquele plano no fim, em que o rosto da mulher a despedir-se à porta de casa é não uma, nem duas, mas três acções, aquilo é, perdoem-me a palavra, de inesquecer. Tão bela lição sobre a arte de “ficar parado”. Um rosto, só um momento, e o diálogo silencioso, interno, que ali nos é dado a ver: primeiro a mentira, “está tudo bem”, depois a tentação da verdade, “vou contar tudo, vou dizer alguma coisa, é a última hipótese”, e por fim o recuo, a contracção, “não, nada, que horror”. Isto tudo, mas sem desmanchar a dúvida necessária. Vemos toda esta história no rosto da mulher e, ainda assim, não sabemos qual a decisão da personagem: negação, mergulho numa espécie de “loucura da normalidade”, ou acto extremo (matar-se? abortar?). Só esse breve instante vale quantos óscares, caramba.Quanto ao mais, devo dizer que não concordo com várias das ideias-de-câmara do realizador Sam Mendes e do fotógrafo Roger Deakins – parece-me que há, por exemplo, muito do pecadilho americano de andar atrás das personagens quando esse andar não adianta nada, dramaticamente, cinematograficamente falando; e senti também um uso excessivo e demasiado fácil dos contrastes de foco, o que vem depois prejudicar o plano contrapicado, justíssimo, em que, “desfocado em relação ao mundo”, o louco de serviço (Michael Shannon) diz as verdades todas.Mas é perfeito o plano da “morte” de April. Morrer é isto, tão simples, alguém que sai de campo. A morte tão corriqueira e tão terrível: o plano fixo de uma sala de estar normal, com uma janela e uma pequena mancha negra na alcatifa.
Jacinto Lucas Pires

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