quinta-feira, 18 de junho de 2009

pedro sena-lino





na apresentação de 333 no Porto (excerto)


"os livros são a primeira experiência de salvação. sim, a literatura salva, como disse uma vez Eduardo Prado Coelho: sentado nas tardes de Verão a devorar História, e a ser devorado por ela, percebi que todos os inícios estão por criar, e que existimos porque temos de criar os nossos inícios permanentemente. que o próprio facto de estar vivo é essa força de recriação do começo: as fórmulas, conhecemo-las: foi por isto que, ou eu nasci aqui. nascem tantas vezes de feridas, e por isso são apenas as feridas que escrevem; e ao situar esse lugar novo, esse início, sabemos sempre que é a partir de uma ferida, da energia que trouxemos ao mundo com essa mesma dor, que recomeçamos. e ao dizer: «eu vou nascer aqui», levamos o mundo connosco. é nos livros que bebemos que nunca mais paramos de nascer, em todas as direcções, por onde se atire o sangue e o sonho, por onde os nossos braços precisem de chegar e não tenham movimento para isso. num livro, dentro de um verso, de uma história, a nossa verdadeira medida de humanos, «medida desmesurada», se exprime.e porque queria agradecer a capacidade de múltiplas salvações que cresci em tantos livros, que este livro, este 333, me escolheu. por isso vos quero falar de três triângulos. o primeiro, a sequência de números quer repercutir a sequência do três, a unidade de Deus, mas também a nossa unidade connosco: o que somos, a imagem que projectamos, o que seremos para lá. mas também quer este livro reproduzir todas as relações que se estabelecem entre humanos e livros. porque a energia que sustenta o livro é também um triângulo, o autor e o movimento em que corre e se esboroa na criação, e que pode ser o narrador ou não; a personagem; e o leitor.quando este livro me pediu que o ajudasse a existir, todas as linhas da minha vida pareceram cruzar-se, como quando amamos alguém do fundo da nossa história, num clarão onde os dias perdidos, as noites esmagadas, as manhãs negadas e as tardes expulsas parecem unir-se num clarão, e justificar a nossa história até ao mais pequeno lugar dos nossos corpos. "
Porto, 16-6-9

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