Se ao menos eu soubesse que este sangue, este meu sangue que carreguei até aqui e que agora se derrama, não me roubaria as minhas histórias – se ao menos eu soubesse -, poderia tentar por uma só vez que fosse ser feliz. Talvez pudesse – vocês sabem – aspirar à minha eternidade. Serenamente - penso. Leva-me em rasto lento e cadente os dias, tudo o que agora de mim sai. Mas poderia, meu Deus, não ser tão lenta esta morte que me urde?Que o que se rasga num determinado momento, jamais se volta a unir. Apenas fica. Desfeito – mastigo – para ser esquecido.E continuo aqui; olho para o meu corpo, jogo de pescoço, pernas, braços, mãos e dedos que desfiaram com destreza, mas já não o reconheço de ser encarnado noutro tempo. Pequena rapariga de sonhos gigantes - caramelos que se saracoteavam delicadamente, envoltos num manto de saliva, apenas e só, abrigo de boca desejosa de vida a conhecer. Neste tempo, este que não meço, cada dia desvela uma romaria dolorosa sem lei nem passo certo, e descobre outros dias ancorados, já sem nome ou forma, no pó de um canto recôndito qualquer que não sei saber visitar. E, é assim que os sinto. Escorridos das entranhas.Noutro esgar, não mais sóbrio mas que me atrevo enquadrar, vem até mim a criança que esfolava os joelhos nas calçadas de pedras brancas e polidas, que um sol de Agosto lambia avidamente. Não me sinto cheia, não me concebo e por este solene engano de mim, devo estar a esvair-me.Que o que se rasga num determinado momento, jamais se volta a unir. Afligem-se os cheiros desses dias, dias roubados a uma morte de cristal frágil e silenciosa de sentidos. Estremeço. A minha menina – sussurrava a minha mãe. Mãe - aceno perpétuo deste meu Deus impressão de luz. Por aqui fico à espera. De um prolongamento. De uma corda que se estique. Fico. À espera que numa hora súbita pendurada dos céus, se esgueire a ilusão de cor em ondas vítreas, e que pouco a pouco, a vontade de resgatar a vida, descubra se teriam sabor as lágrimas daqueles que me amavam quando se me chegou a hora de partir. Nunca morri. Apenas cresci. Mas não digam a ninguém porque é segredo e, os segredos são como rios de sombras numa tela perdida de uma parede num lugar qualquer. E lá, lá ninguém mos rouba. Lá... são todos meus.
por Lourenzo Monsanto
Um comentário:
Sim senhor.
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