Então isto é tudo?
Excelente "história" do escritor Carlos Geadas. Este escreve de acordo com tudo o que sente, e que todos nós de vez enquanto sentimos ou poderemos, quem sabe, sentir. Daí a magia. Escreve o que pensamos e que nos invade e, falo por mim, não sabemos exprimir. Comovem-me as suas palavras. Sinto a cada segundo a invasão de perspectivas aparentemente "banais" mas extraordinariamente verdadeiras. Ler o que escreve é intenso, é envolvente e muito cativante.
Assim, deixo uma das muitas histórias que estão no seu site. Histórias que nos divertem, que nos entusiasmam por tamanha criatividade. Fazem-nos reflectir. Fazem sentido. Em todas elas há a plena sensação de identidade. Aqui ou ali. (estarão vocês a pensar "mas isso acontece-me tantas vezes, grande novidade!"). Leiam. Tenho a certeza que irão compreender...
... Começa assim
Então isto é tudo? É. Perguntas-me se isto é tudo. Respondo que é, que isto é tudo. Do lado de lá do vidro, mais um avião dispara pela pista. Visto daqui parece pequeno. Visto daqui parece insignificante. Visto daqui parece um pequeno brinquedo com luzes intermitentes nas pontas da asas, ganhando velocidade num corredor de luzes vermelhas e brancas, correndo, correndo. Correndo nos solavancos e barulho da pista e motores até que finalmente ascenda ao céu. Vemo-lo afastar-se, recolher o trem de aterragem, flectir sobre a asa esquerda e afastar-se num rumo electrónico que alguém, algures, traça na obscuridade de uma sala insuflada por luzes frias de monitores. E então isto é tudo. Isto é tudo. Ouço ainda enquanto te escorre uma lágrima fria na cara lavada pela luz do amanhecer que nos acontece diante dos olhos. É tudo. É tudo. Sem outras palavras senão as que continuo a ouvir dentro de mim, pouso-te sobre a coxa o meu lenço, fechado na minha mão. Depois a tua mão sobre a minha, empurrando o lenço. Sinto-me ridículo por ainda usar lenço nesta época tão descartável, tão reciclável, tão impessoalmente higiénica. A tua mão sobre a minha recusando o lenço. Recusando-me. Afastando-me quase suavemente para um recanto qualquer que caia fora do teu mundo, da tua solidão, de ti. E eu a guardar o lenço, eu a ouvir ainda as tuas palavras deitadas na minha resposta. E isto é tudo. Isto é tudo. Amanhece. O dia ergue-se indiferente aos aviões que o rasgam, indiferente a nós, que o vemos desta sala fria de aeroporto, indiferente a tudo.
O que te vai matando por dentro é isso. É essa procura de um sentido que não existe. É esperares todos os dias que algo aconteça e te diga a vida é mais que isto. Mas só encontras a desilusão. Esbarras diariamente na repetição cíclica de uma vida que não se supera, que não mostra uma razão de ser, que não satisfaz os sonhos que foram esmorecendo. É isso que me dizes quando olhas para mim sem realmente me veres. Quando dizes que conseguiste sempre tudo sem conseguir a única coisa que realmente desejavas. Não dizes essa última palavra. Não a dizes. Olhas para mim, dizes o que dizes mas faltam-te as forças para completar a frase que, depois de um silêncio que poderia ter sido longo, longo, terrivelmente longo, eu completo. Felicidade. E dizê-lo é não sentir o chão debaixo dos pés. Dizê-lo é pronunciar uma condenação. Conseguiste tudo menos ser feliz. Os teus olhos muito abertos, fixos numa abstracção qualquer. Fixos em nada. Para lá de nós, os aviões a correrem a pista numa ordem que se entende, numa sinalética plena de sentido. Aviões que descolam e recolhem os trens de aterragem numa ordem metódica, meticulosa. A asa a flectir. As luzes que piscam até que se apaguem na distância do sonho, da irrealidade, da desilusão de algo que não vai acontecer. Por trás, o sol. Pleno. Incandescente. Avassalador na lentidão com que se ergue sanguíneo da terra, das nuvens, da névoa baixa que ainda ronda entre os aparatos do mundo dos homens. E é glorioso ver o nascer o dia. É glorioso assistir ao milagre que para nada serve, que nada traz, que nada leva.
Para onde ias? Para onde tencionavas ir? Encolhes os ombros absorta numa distância tão longínqua como o som das minhas perguntas. Passas-me o bilhete. É um bilhete para lado nenhum. Um bilhete para qualquer sítio. Um bilhete para nada. É um bilhete desesperado, desiludido, cansado das certezas que nunca são suficientes. Não sabes. Encolhes os ombros. Os homens morrem e não são felizes. Digo-te que os homens morrem e não são felizes. Esta frase não é minha. Só é minha a convicção com que a digo, a certeza. O senti-la como minha desde há tantos anos, desde sempre. Não propriamente desde sempre mas desde o sempre que ficou quando chegaram as desilusões, quando entendi que a vida tem o tamanho da desilusão, que os sonhos nascem imensos para depois serem diariamente negociados, amputados, diminuídos na sua infinidade para se tornarem finalmente impossíveis, irrealizáveis, mesquinhos, mundanos. Até chegar ao momento em que não vale a pena sonhar pois sendo tudo possível, nada vale realmente a pena. Os homens morrem e não são felizes. Os homens morrem. E isto é tudo. É tudo. Isto. Os aviões descolam. Os aviões não sonham. Os aviões são as asas da frustração que fica depois do nosso desejo. E tudo isso te mata por dentro. E tudo isso te é inexplicável porque sabes que não salvarás o mundo, não salvarás ninguém, no final, nem sequer a ti te salvarás. É o diminuir do sonho até ficar apenas a desilusão. A desilusão de cada dia sem saídas, sem escapatórias. Tu a viver em ti e nisso nada encontrar que valha a pena viver. Mais um dia a desejar que algo aconteça. Eu entendo-te. Não te sei dizer o quanto te entendo. Eu sou como tu. Ou tu és como eu.
Quando te pergunto se podemos ir para casa, consentes. Como quem consente qualquer coisa. Poderia levar-te para qualquer sítio. Poderia até deixar-te aqui, eternamente a ver os aviões que partem para o lado de lá do teu sonho. Também eu poderia aqui ficar. Poderia acreditar que o tempo pararia e seria eternamente agora e que só existira o sol que se levanta como uma necessidade e os aviões que partem. Mas dou-te o braço e arrancamos. Regressamos a casa. Regressamos a tudo o que já conhecemos e que não nos faz felizes. Regressamos às certezas que não chegam para a vida que merecemos, que não sabemos dizer, que não sabemos concretizar. Isto é tudo. E isto é tudo. Seguimos como duas crianças perdidas num mundo vazio. Seguimos como órfãos rumo à manhã que brilha lá fora. Amparados no nosso descontentamento, duas solidões que se seguram quando tudo se torna insuportável para ser calado por apenas uma. Apenas isso. Seguimos. Seguimos apenas. Seguimos para onde todos os outros seguem. E então isto é tudo? É, isto é tudo.
Assim, deixo uma das muitas histórias que estão no seu site. Histórias que nos divertem, que nos entusiasmam por tamanha criatividade. Fazem-nos reflectir. Fazem sentido. Em todas elas há a plena sensação de identidade. Aqui ou ali. (estarão vocês a pensar "mas isso acontece-me tantas vezes, grande novidade!"). Leiam. Tenho a certeza que irão compreender...
... Começa assim
Então isto é tudo? É. Perguntas-me se isto é tudo. Respondo que é, que isto é tudo. Do lado de lá do vidro, mais um avião dispara pela pista. Visto daqui parece pequeno. Visto daqui parece insignificante. Visto daqui parece um pequeno brinquedo com luzes intermitentes nas pontas da asas, ganhando velocidade num corredor de luzes vermelhas e brancas, correndo, correndo. Correndo nos solavancos e barulho da pista e motores até que finalmente ascenda ao céu. Vemo-lo afastar-se, recolher o trem de aterragem, flectir sobre a asa esquerda e afastar-se num rumo electrónico que alguém, algures, traça na obscuridade de uma sala insuflada por luzes frias de monitores. E então isto é tudo. Isto é tudo. Ouço ainda enquanto te escorre uma lágrima fria na cara lavada pela luz do amanhecer que nos acontece diante dos olhos. É tudo. É tudo. Sem outras palavras senão as que continuo a ouvir dentro de mim, pouso-te sobre a coxa o meu lenço, fechado na minha mão. Depois a tua mão sobre a minha, empurrando o lenço. Sinto-me ridículo por ainda usar lenço nesta época tão descartável, tão reciclável, tão impessoalmente higiénica. A tua mão sobre a minha recusando o lenço. Recusando-me. Afastando-me quase suavemente para um recanto qualquer que caia fora do teu mundo, da tua solidão, de ti. E eu a guardar o lenço, eu a ouvir ainda as tuas palavras deitadas na minha resposta. E isto é tudo. Isto é tudo. Amanhece. O dia ergue-se indiferente aos aviões que o rasgam, indiferente a nós, que o vemos desta sala fria de aeroporto, indiferente a tudo.
O que te vai matando por dentro é isso. É essa procura de um sentido que não existe. É esperares todos os dias que algo aconteça e te diga a vida é mais que isto. Mas só encontras a desilusão. Esbarras diariamente na repetição cíclica de uma vida que não se supera, que não mostra uma razão de ser, que não satisfaz os sonhos que foram esmorecendo. É isso que me dizes quando olhas para mim sem realmente me veres. Quando dizes que conseguiste sempre tudo sem conseguir a única coisa que realmente desejavas. Não dizes essa última palavra. Não a dizes. Olhas para mim, dizes o que dizes mas faltam-te as forças para completar a frase que, depois de um silêncio que poderia ter sido longo, longo, terrivelmente longo, eu completo. Felicidade. E dizê-lo é não sentir o chão debaixo dos pés. Dizê-lo é pronunciar uma condenação. Conseguiste tudo menos ser feliz. Os teus olhos muito abertos, fixos numa abstracção qualquer. Fixos em nada. Para lá de nós, os aviões a correrem a pista numa ordem que se entende, numa sinalética plena de sentido. Aviões que descolam e recolhem os trens de aterragem numa ordem metódica, meticulosa. A asa a flectir. As luzes que piscam até que se apaguem na distância do sonho, da irrealidade, da desilusão de algo que não vai acontecer. Por trás, o sol. Pleno. Incandescente. Avassalador na lentidão com que se ergue sanguíneo da terra, das nuvens, da névoa baixa que ainda ronda entre os aparatos do mundo dos homens. E é glorioso ver o nascer o dia. É glorioso assistir ao milagre que para nada serve, que nada traz, que nada leva.
Para onde ias? Para onde tencionavas ir? Encolhes os ombros absorta numa distância tão longínqua como o som das minhas perguntas. Passas-me o bilhete. É um bilhete para lado nenhum. Um bilhete para qualquer sítio. Um bilhete para nada. É um bilhete desesperado, desiludido, cansado das certezas que nunca são suficientes. Não sabes. Encolhes os ombros. Os homens morrem e não são felizes. Digo-te que os homens morrem e não são felizes. Esta frase não é minha. Só é minha a convicção com que a digo, a certeza. O senti-la como minha desde há tantos anos, desde sempre. Não propriamente desde sempre mas desde o sempre que ficou quando chegaram as desilusões, quando entendi que a vida tem o tamanho da desilusão, que os sonhos nascem imensos para depois serem diariamente negociados, amputados, diminuídos na sua infinidade para se tornarem finalmente impossíveis, irrealizáveis, mesquinhos, mundanos. Até chegar ao momento em que não vale a pena sonhar pois sendo tudo possível, nada vale realmente a pena. Os homens morrem e não são felizes. Os homens morrem. E isto é tudo. É tudo. Isto. Os aviões descolam. Os aviões não sonham. Os aviões são as asas da frustração que fica depois do nosso desejo. E tudo isso te mata por dentro. E tudo isso te é inexplicável porque sabes que não salvarás o mundo, não salvarás ninguém, no final, nem sequer a ti te salvarás. É o diminuir do sonho até ficar apenas a desilusão. A desilusão de cada dia sem saídas, sem escapatórias. Tu a viver em ti e nisso nada encontrar que valha a pena viver. Mais um dia a desejar que algo aconteça. Eu entendo-te. Não te sei dizer o quanto te entendo. Eu sou como tu. Ou tu és como eu.
Quando te pergunto se podemos ir para casa, consentes. Como quem consente qualquer coisa. Poderia levar-te para qualquer sítio. Poderia até deixar-te aqui, eternamente a ver os aviões que partem para o lado de lá do teu sonho. Também eu poderia aqui ficar. Poderia acreditar que o tempo pararia e seria eternamente agora e que só existira o sol que se levanta como uma necessidade e os aviões que partem. Mas dou-te o braço e arrancamos. Regressamos a casa. Regressamos a tudo o que já conhecemos e que não nos faz felizes. Regressamos às certezas que não chegam para a vida que merecemos, que não sabemos dizer, que não sabemos concretizar. Isto é tudo. E isto é tudo. Seguimos como duas crianças perdidas num mundo vazio. Seguimos como órfãos rumo à manhã que brilha lá fora. Amparados no nosso descontentamento, duas solidões que se seguram quando tudo se torna insuportável para ser calado por apenas uma. Apenas isso. Seguimos. Seguimos apenas. Seguimos para onde todos os outros seguem. E então isto é tudo? É, isto é tudo.
Cit. in www.carlosgeadas.com
14 Setembro 2005
2 comentários:
Fico quase sempre triste de ler o que escreves ou que gostas de ler.Não sei bem porquê. A vida é uma rotina por vezes boa por vezes má mas temos de lutar contra o que nos angustia diariamente.Sei que não é facil mas é possivel!Luta por mudares e nao deixes que ninguem te deixe viver o que és! Nao te deixes ficar triste a alegria é a melhor coisa da vida nunca te esqueças. beijo da tua amiga
Amiga, talvez fiques triste com o que leio porque às vezes eu estou triste quando escrevo. Felizmente, nem sempre. Confesso que esde sempre tenho tendência para escrever quando estou triste, talvez porque como Anne Frank "escrever, alivia a dor", dor que comparada com a dela nada tem a ver! Mas também gosto de engrandecer a felicidade que sinto através das palavras. Não posso escrever coisas alegres se não me sinto alegre. Penso que o mais importante é que quando acabo de escrever possa sentir-me melhor, mais calma, e quase sempre acontece. Eu sei que quem vier aqui ler o que escrevo poderá ser "inindado" pela minha tristeza e ficar talvez preocupado, mas é assim isto das novas tecnologias, agora até permitem todoas acompanhar os nossos estados de espírito, que poderá ser bom para quem não tem as pessoas que gosta, presentes!
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